sábado, 26 de março de 2011

"Não amar e não odiar é a metade da sabedoria. A outra metade é nada dizer e nada acreditar."



- Sentes alguma coisa por mim?

- Sim. Mas não sei dizer o que é.

- Não há de ser nada.


Há dias venho travando um jogo de sedução com a vida e ela vem me vencendo. Venho implorando ajuda aos meus pensamentos, que se recusam a me socorrer. Meu estado febril não me quer acordado, minha consciência me impede de dormir. Posso contar-lhe o que sinto, quem sabe assim consigo exorcizar. Quem sabe assim consigo matá-la.

Eu quero atravessar o sertão carregando a cruz e o burro, eu quero enforcar o velho mineiro inconfidente, quero cortar os pulsos e deixar meu sangue escorrer no seu remorso. Eu quero fazer greve de fome, compor um blues, queimar o ditador e dançar um tango sobre suas cinzas. Posso fazer a serpente engasgar com a fruta. Quem sabe assim consigo matá-la.


- Acreditas em meus sentimentos?

- Sentimentos não são confiáveis.

- Pessoas não são confiáveis.


Há segredos onde acredita serem as águas límpidas. Há segredos nas palavras do profeta. Há verdade nas mentiras que ela insiste em propagar. Há dor no sorriso do palhaço. As agulhas são minhas redentoras, sempre me lembram que ainda estou vivo. Estou com um desejo imenso de me deitar com uma garota de programa. Ou duas. Gosto de número par. Posso injetar alegria, mas prefiro baforar a discórdia. Quem sabe assim consigo matá-la.

Eu quero ser um guardador de rebanhos, quero jogar uma mensagem no mar e receber respostas das sereias. Quero me cansar da guerra antes dela começar, quero invadir o Paraguai mesmo que sem motivo, quero invadir a morena mesmo que sem proteção. Quero tomar absinto, vodka e picolé. Quero tomar chuva. Ácido e insulina. Quero tomar juízo. Quero tomar tudo que é seu e fugir com você. Posso te esperar tricotar por mil e uma noites. Quem sabe assim consigo matá-la.


- Já me traístes?

- Claro que não.

- Por que mentes?

- Porque perguntas.


Há brilho nos olhos de quem ama. Há brilho na lâmina que corta a jugular. Há brilho nas estrelas do céu e no neon do cabaré. Há mistério em Helena, esposa de Menelau de Sparta. Há verdade na relação de Arthur e Guinevere. Há amor paterno entre Lear e suas crias. Haverá muita festa no céu por aquele que se arrependa. Abençoai os filhos pródigos. Abençoai os caminhos com volta. Posso marcar o caminho com pão, mas prefiro marcar com pedaços do seu corpo. Quem sabe assim consigo matá-la.

Eu quero descobrir a cura, carregar os pecados do mundo, sentir de perto o bater das asas do beija-flor. Eu quero ser a cura do pecado e bater asas. Quero ser confiável e desconfiado. Quero dialogar com Allen, discutir com Nietzsche, transcender com Keith e escrever as memórias do Alzheimer. Quero penetrar a tesoura nas entranhas de Dalila. Quero fazer uma sopa com as pedras do caminho. Na verdade, só queria ser menos sozinho. Posso levar os vampiros pra África ao som de “The Wall”. Quero contaminar. Quem sabe assim consigo matá-la.


- Sentes alguma coisa por mim?

- Sinto que me controlas.

- Alguém precisa controlar.

- Tudo bem, você não é de todo mal.

- Sou sim.

- Eu sei. Mas ninguém precisa saber.


Quero olhar da janela e admirar o meu rebanho de gafanhotos.

Quero olhar no espelho e não sentir vergonha. Nem azia.

É necessário ser homem. Se sentes algo por mim, preciso acabar com sua vida. Quem sabe assim consigo viver em paz.

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