Foi necessário.
Foi necessário sentir novamente aquela brisa que embriagava. Hoje, meus cabelos são escassos e é o absinto que me embebeda. Estive perdido no fundo de um vale sombrio, onde descobri que é no íntimo da escuridão que se valoriza a luz. Hoje, finalmente tenho forças pra te contar onde fui. Saiba que não tenho orgulho. Mas também não tenho vergonha, nem me arrependo. Foi necessário.
Foi necessário o sino badalar doze vezes pra eu perceber que dormia no banco da igreja. Minha memória não tem funcionado como antes. Freud chamou de mecanismo de defesa, eu chamo de contra-ataque. Notícias corriam pelos correios populares, enquanto redigia meu diário aberto. O tempo passava. O mundo passava. Passeava. Passivo. Paciente. Perverso. Pulou por cima de mim. Cai e ouvi a voz me chamando por três vezes. Atropelado pelo destino, socorrido pelos deuses da noite. Pelas palavras bem traçadas. E por novos lençóis que me abriram as pernas. Pequei mais que orei. Foi necessário.
Foi necessário.
Foi necessária e homérica a derrubada das máscaras. Desci o morro chorando por fora e gritando por dentro como um guerreiro espartano. Era a guerra sendo ganha da forma mais bizarra e chocante. Tanto faz. Guerra é guerra. E ao contrário do que dizem, todos saem vitoriosos. Pelo fato de saírem. Apanhei mais que bati. Morri mais que matei. Venci na sutileza. Na gentileza e na destreza. Comemorei minha vitória nos braços da puta mais exuberante do cabaré. E ela sussurrou em meu ouvido algo que jamais me esqueci, mas isso eu conto mais adiante.
Foi necessário contar algumas mentiras. Não é fácil viver de par em par. O homem nega mas sabe que toda angústia é um sinal futuro. E aquela semana reservava uma tensa e inesperada situação. Mas outras aventuras mudaram o trajeto. E como toda e qualquer atitude, mudaram também a vida pra sempre. Senti saudade de escrever e descrever. De discutir e debater. De te emocionar. Não voltei antes porque sempre soube onde te encontrar e isso é chato. A dificuldade é interessante. O mistério excita. Odeio pessoas imprevisíveis. Odeio ainda mais as previsíveis. Um viva ao meio termo.
Foi necessário.
Foi necessário rever algumas prioridades. Malhar alguns Judas. Guilhotinar alguns pescoços reais. Apedrejar algumas Madalenas falsamente arrependidas. Foi necessário ler algumas tragédias “rodriguianas”. Dramas de Shakespeare. Filosofias e teorias de Nietzsche. Poesias de Pessoa. Foi necessário assistir Allen. Chocar com von Trier. Chorar com Tornatore. Gritar com Tarantino. Me emocionar com Clint e apreciar Aronofisky. Foi necessário estudar Processo Civil e ouvir Belchior. Foi necessário ler a bíblia.
Foi necessário decidir entre elas e assim me perdi. Gosto de testar, gosto de tentar, de me aventurar e experimentar. Gosto de novidade, de liberdade, de jogo de sedução e conquista. Odeio a rotina e vivo cercado por ela como anéis em Saturno. Além de meu cabelo e minha memória, meu raciocínio também não é o mesmo. Este texto, por exemplo, todo fora de ordem, fora de nexo, fora de sentido. Falando de coisas que não são nada, que são tudo e coisas que nem sei o que são ou o que querem ser. Essa é a maior prova de que voltei. Com estilo e sem motivo. Na noite em que venci a última batalha, a meretriz me disse com o rubro pintado a boca: Não existe caminho certo ou errado pra quem tem coragem de voltar.